> "Lembras-te da última partida de sueca que jogámos?"

   Recordo que quase todos partiam para outras bandas nos meses frios do Inverno. Quando era puto não dava grande importância ao caso. Para mim era óbvio: a morte é uma coisa triste e nada mais indicado do que um dia de chuva para cobrir essa tristeza, para confundir essas lágrimas, as que correram e as que ficaram por cair.
  Hoje, pergunto-me se era o frio que lhes soprava a alma para longe do corpo engelhado ou um outro incómodo qualquer. Talvez fosse um frio diferente, apenas, que se entranhava um pouco mais para dentro da pele, mais perto do coração do que dos ossos. Apesar de tudo morriam quase sempre rodeados de rostos familiares, gente que partilhava essa última tristeza num gesto de homenagem, oferecendo o melhor que há para dar a um moribundo: companhia. Lá fora chove outra vez… eles, os velhos da minha aldeia, já partiram.

> Para ti

   Espero num gesto teu apenas, a razão de uma morte suave e desatenta... a teus pés. Libertar nos meus lábios um só murmúrio, que quero soprar perto do teu ouvido, ou um pouco mais abaixo. Indefeso, entrar em ti suavemente, num pensamento teu, um só que seja e tocá-lo, para voltar a esse momento que me deixou a flutuar desarmado, ao sabor da tua vontade. Separado entre dois mundos: num em que estás perto, mas não tanto quanto desejo; num outro em que arrisco tudo e te chamo com um gesto, mas que ao desviares o olhar, temo perder para sempre. Apenas espero não me render, e não ter pela metade tudo o que desejo teu.