> Reflexo

   Encontro uma ruga e dois ou três cabelos brancos. O espelho com trinta e cinco anos de idade provoca alucinações como esta, apago a luz para esquecê-la.
   Saio de casa. Desço as escadas do prédio: três pisos a correr em direcção à luz. No passeio da calçada tropeço numa bola que passa por mim e no puto que corre atrás dela. Recordo-me do passado: eu, de calções rotos, de pingo no nariz, a fintar poças de água. O miúdo olha para mim: "Bom dia senhor, desculpe!", a sua voz tocou-me nos cabelos, os brancos, acariciou-me as rugas e levou-me de volta ao espelho.
   Volto para casa a correr, vou até ao quarto e, num álbum de fotos antigas perdido no fundo do armário, procuro uma foto, uma em particular: eu de calções com uma bola debaixo do braço. Pego na foto, vou até à casa-de-banho e colo essa imagem no espelho. Olho uma última vez para o meu reflexo e nele vejo um puto com um ar reguila, de pingo no nariz: "bom dia senhor...".

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